quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Estou indo para o norte,
Lá onde os campos são férteis e o sol é brando.
Há promessa de vida melhor,
de dias de sossego e talvez felicidade
Para trás ficam as coisas que se deixaram ficar.
Ficam as cortinas ainda na janela,
as flores no vaso, que murchas e secas foram esquecidas.
Ficam as palavras no espaço.
As que foram ditas
e as que foram só pensadas ou sussurradas.

sábado, 27 de agosto de 2011

"Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlaçemos as mãos).

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para o pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente.
E sem desassossegos grandes."

Alberto Caeiro

sábado, 13 de agosto de 2011

Quem Me Dera Que Eu Fosse O Pó Da Estrada

"Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando...

Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira...

Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo...

Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse...

Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena..."
Alberto Caeiro

Números


O que fazer com esses números? Anos, datas, medidas, notas, décadas...? Esquecer, lembrar, esconder? O fato é que só podemos deixar pra trás. Como quem deixa um amigo antigo na rodoviária e vira as costas com tristeza e saudade. Assim deixamos as noites, as pessoas, que acabam virando números, contabilizadas como coisas, por vezes boas, outras nem tanto. Mais cedo mais tarde tudo acaba virando um número, uma porcentagem, uma estatística, uma distância, um número de uma página, um 3x4 amassado na carteira de alguém, um telefone, 42, 47, 55, 53.... Ah o que fazer com esses números...

terça-feira, 29 de março de 2011

Um homem só

Conheci um homem solitário que esgueirava-se pela rua, olhando os pés enquanto andava. Parecia andar sempre preocupado, e de fato estava. Tinha um olhar distante e melancólico, suas roupas estavam alinhadas como quem espera encontrar-se com alguém. Disse-me que sempre esteve só, mesmo quando não o estava, que assim havia vindo ao mundo e assim havia de deixá-lo. Não era triste por isso, já que acompanhado de si mesmo suas ideias fluíam com clareza, e só assim, poderia ser ele mesmo.
Disse-me que pensava no tempo, que não gostava desse velho algoz, e que na vida não temia muitas coisas. A morte, essa não tomava parte em suas preocupações, a reconhecia como alguém que espreita, e, por não poder tirar-lhe o que já viveu, não a temia. Pareceu-me um tanto controverso, e demasiado confuso, não sabia aonde ir e não fazia menção de encontrar caminho algum. Parecia estar andando em círculos atrás de seus próprios rastros, mesmo sabendo que daria em lugar algum. Por outro lado tinha a convicção de estar no caminho certo, tinha um olhar nobre e vivo, que só tem quem desconfia e busca incansavelmente por algo.
Conversamos por horas, e afirmou-me com certeza, que boa parte de nossos esforços são vãos, que o que buscamos nunca encontraremos, e que passamos mais tempo cultuando o desconhecido que vivendo realmente. Que viver é sentir tudo o que puder ser sentido, bom ou ruim, aí está a grandeza da alma. Sentir dor e alegria, sangrar e sorrir. Era isso que esperava para si, apenas sentir e nada buscar, essa era sua luta. Porque quem anseia não vive, espera.

?

Você é como tatear no escuro
Como cortar a própria carne.
Como o limão.
Irresistível como revelar um segredo
Surpreendente como a queda livre
Você é como pular no desconhecido
É desconhecer a si mesmo
É querer fugir pra perto
É o permitir machucar-se
É doce e ácida demais
Não é mais que uma parte de mim perdida
É o olhar no espelho e se ver por dentro
Ver um lado esquecido.
É o esquecer de si mesmo

sexta-feira, 25 de março de 2011

Mesmo com o vento das mudanças soprando nosso modo de vida pra longe, tornando tudo "antiquado e careta", ainda assim, mantenho, por alguma razão, antigos hábitos que me vêm todos os dias à mente. Hábitos simples que me fazem bem, que me fazem sentir em algum lugar mais quente e aconchegante que aqui. Gosto das miudezas, das pequenas coisas. Tomo meu mate ao final da tarde como se fosse reza, enquanto, inquieto, meu cusco me olha com as orelhas em pé e os olhos pedintes de sempre. Olho o sol e o ceu de chumbo com admiração e assombro, nunca me canso de admirar-me pela complexidade da natureza e de me achar pequeno e irrelevante à sua frente.
Alguns hábitos guardo para manter-me mais próximo do passado, tenho a predestinação de olhar pra trás com saudade, não raro gostaria de reviver alguns dias....